ESPINHO NO PÉ
Ele tem estatura baixa, cabelos e barba curtos, escuros e
descuidados, veste uma camiseta vermelha e calças compridas preta, tem os pés
descalços, está sujo. Seu braço direito está meio dobrado e parece não ter
movimento e estar enrijecido, talvez problemas neurológicos. Sob essa capa de
sujeira, doença e fome transparece uma ternura e a capacidade de receber e
aceitar a ternura de outro. Ele para à beira da calçada esperando o momento de
atravessar.
O outro que vai à sua frente, em cerca de um metro, também
para esperando para atravessar a rua. O outro veste uma camiseta e uma bermuda
em tons diferentes de verde. Não sei se está descalço, parece ser um pouco mais
novo do que ele, mas é um pouco mais alto, tem a pele morena e também está
sujo. Traz enfiado pela gola da
camiseta, nas costas, um rodo com esponja, desses usados para limpar
para-brisas de automóveis parados nos faróis.
Ele então diz: - Tem um espinho no meu pé.
O outro parece não entender, mas olha para ele.
Ele repete: - tem um espinho no dedão do meu pé.
O outro parece continuar sem entender, mas se aproxima dele.
E ele diz mais uma vez: - tem um espinho no meu pé, tira.
O outro então se abaixa, examina rapidamente o pé dele e com
a mão faz o gesto de quem arranca um espinho de um pé, o gesto é largo e a sua
mão descreve um arco no ar, o gesto é teatral, quase uma coreografia. E sua
expressão parece ser de satisfação de missão cumprida.
Ele parece aliviado.
O farol abriu , ele e o outro podem atravessar, eles
continuam, seguindo a caminho.
Eu fico
a garganta apertada,
olhos marejados,
chorando.
Largo do Arouche, 29 de julho 2018
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