domingo, 28 de outubro de 2012

BULIR




A foto, a primeira que lembro ter visto é a que apresento abaixo, emprestada da página de Tyloan, no Flickr, que pode ser vista aqui em

conta-nos o autor da foto, que estas oliveiras são do Jardim de Getsêmani, alguma tão antiga, com mais de dois mil anos e por isso chamada de árvore testemunha


BULIR
Havia uma cama, duas toalhas estendidas, uma lâmpada fraca, quatro paredes, uma porta, e o silêncio, o barulho ocasional da televisão e vozes, algum arfar também.
E as palavras que brotavam como água fresca de fonte em terreno escaldante, havia também uma árvore, oliveira muito antiga, seus troncos e galhos testemunharam tantos ventos e tormentas, e contava-nos sobre isso com seus desenhos caprichosos retorcidos.
Ah, sim, e o poema, e a música no fundo, ou a música era da cadência do poema; não sei mais.
Sim, era sedução.
Como atirar rosas estrelas cometas asteróides.
E a verdade de sentir os espasmos e estremecimentos e a virtude quente e macia calma.
Ora, por que não bulir aí?

SP 25 10 2012

sábado, 20 de outubro de 2012

FUNDO








FUNDO


Atravessamos de São Sebastião para Ilha Bela, ao desembarcar da balsa paramos no ponto dos ônibus para esperar o que nos levaria até à praia do curral. Enquanto esperávamos percebi que pouco adiante, sentados na mureta à beira da água do mar, que chegava até ali naquela hora, estavam dois meninos. Um pequeno, de aproximadamente oito anos e outro maior que não devia ultrapassar os doze anos de idade , vestiam apenas calção, estavam desacompanhados de adultos e provavelmente moravam por perto.
Notei que o menor esticava as pernas sobre as águas e parecia querer mergulhar, mas talvez ponderassem sobre os riscos.

Seria muito fundo?
Que abismos insondáveis abaixo da superfície da água?
Haveriam buracos que os tragariam, sem chance de salvação?
Que trevas residiriam ali?
Correntezas traiçoeiras a arrastar para precipícios marinhos sem fim?

O desejo de se atirar na água empatava com o temor dos perigos que não podiam ver, mas adivinhavam naquelas águas.
O maior encontrou, mais adiante, uma vara de bambu e correu para apanhá-la, seguido do menor que o acompanhava, voltou para o local onde estavam antes e tratou de mergulhar uma das pontas da vara na água para medir a sua profundidade, e logo a vara parou, cutucou ainda, tentando talvez escapar de um obstáculo intermediário, mas a vara parava na mesma altura . Ao retirá-la, a marca molhada demonstrava uma altura de água que não alcançava sequer a cintura do menino pequeno.

Um breve instante de silêncio banhado de surpresa e decepção.
O menino pequeno então falou:
_ Não é fundo.
O maior acrescentou:
_ Nosso medo é que é fundo.
                                               _______ // ________


Não recordo quando escrevi este texto, porém há já mais de cinco anos. Tudo, ou quase, foi visto e presenciado por mim, procurei dar ao texto o máximo de concisão, cheguei a pensar em retirar as perguntas que coloco como as ponderações dos meninos, pois obviamente foram frutos de minha imaginação ; julguei que deveria excluí-las por tratar-se de uma interferência do narrador. Mas não foi possível, afinal o narrador faz parte do evento; e num paroxismo de dúvidas chega a pensar se ele mesmo não terá inventado tudo. A dúvida afinal é aplacada apenas pela certeza de que este narrador não teria capacidade para tanto.
O desenho a ilustrar é de minha autoria, mas não é de Ilha Bela e sim da Bahia  da Babitonga , em São Francisco do Sul em Santa Catarina; era um dia de sol brilhante e ar absolutamente transparente (o desenho), provavelmente em 1996.