segunda-feira, 29 de março de 2010


Vincent Wilhelm Van Gogh
30 de março de 1853

Auto retrato

Saint Rémy, setembro 1889

Coleção Musée D'Orsay

Paris, França








Van Gogh, foi além de um grande pintor, um infatigável escritor, sua obra é uma das mais bem documentadas justamente porque escrevia contínua e minuciosamente, seu principal interlocutor foi seu irmão Theo. O trecho abaixo foi tirado de uma das centenas de cartas que escreveu para ele, nesse trecho aparece o lado gozador e irônico, em uma forma muito saborosa faz uma crítica aguda à vida e ao mundo tidos como obra divina.


...

O que é sempre urgente é desenhar, e que isto seja feito diretamente com pincel ou com outra coisa, como pena, por exemplo, nunca é o suficiente.

Procuro agora exagerar o essencial e deixar propositalmente vago o banal...

Cada vez mais eu acho que não se deve julgar o bom Deus a partir deste mundo daqui, pois este é um es­tudo seu que não deu certo.

Que você quer, nos estudos fracassados, quando apreciamos o artista - não encontramos muito o que criti­car - e nos calamos.

Mas temos o direito de exigir algo melhor.

No entanto, seria necessário vermos outras obras da mesma mão, este mundo aqui foi evidentemente feito

às pressas num daqueles maus momentos, em que o autor não sabia mais o que estava fazendo, e já tinha perdido a cabeça.

O que a lenda nos conta do bom Deus é que assim mesmo ele se esforçou tremendamente neste seu estudo de mundo.

Sou levado a crer que a lenda diz a verdade, mas então o estudo fracassou de várias maneiras. Só os mes­tres enganam-se desta maneira, este talvez seja o melhor consolo, já que temos então o direito de esperar que esta mesma mão criadora tenha sua revanche. E a partir de então esta vida, tão criticada por tão boas e até excelentes razões, não devemos toma-la por outra coisa além do que ela é na realidade, e nos resta a esperança de ver coisa melhor numa outra vida.

Carta 490

Arles, 19 de maio de 1888

no livro: Cartas a Théo

editora L&PM


quarta-feira, 17 de março de 2010

O retrato do burro

A origem do retrato do burro que lê:
em uma gravura de Van der Heiden, em 1557,
publicada por Cock, a partir de desenho de Bruegel de 1556





Abaixo o desenho original de Bruegel, de 1556.
Nota-se, como é comum , que a gravura apresenta posição invertida à do desenho.
Este desenho está na coleção do Kupferstichkabinett, em Berlim.

Tirando o fato de que os professores hoje não se vestem mais assim e nem dão sovas nos alunos, o resto parece que continua igual, além é claro, de que um asno hoje tem muito mais chance de sucesso .

terça-feira, 16 de março de 2010

No deserto




A primeira vez que li os evangelhos, fiquei espantado com Marcos: ele escreve de um modo quase telegráfico, frases curtíssimas, laconismo absoluto. Seria preguiça, ou faltaria material onde escrever e por isso a economia? Comparando com o evangelho de Mateus é gritante a diferença, para tratar de um mesmo assunto, a Tentação no deserto, por exemplo, enquanto Marcos diz tudo em duas linhas , Mateus faz o mesmo com quase dez vezes mais.
Não posso dizer qual maneira é melhor, ou mais bela, porém posso entender que apenas a confiança absoluta no poder da palavra como símbolo capaz de abrir verdadeiros oceanos de significação pode dar a alguém o despojamento para produzir um texto com tão poucas palavras e ficar seguro de que a mensagem será conhecida. E é o que Marcos faz.
Aí estão os textos:

Marcos 1, 12-13
Tentação no deserto — E logo o Espírito o impeliu para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta dias, sendo tentado por Satanás; e vivia entre as feras, e os anjos o serviam.


Mateus 4, 1-11
Tentação no deserto — Então Jesus foi levado pelo Espírito pa­ra o deserto, para ser tentado pelo diabo. Por quarenta dias e quarenta noites esteve jejuando. Depois teve fome. Então, aproximando se o tentador, disse-lhe: "Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se trans­formem em pães". Mas Jesus respondeu: "Está escrito:
Não só de pão vive o homem,
mas de toda palavra que sai da boca
de Deus."
Então o diabo o levou à Cidade Santa e o colocou sobre o pináculo do Templo e disse-lhe: "Se és Filho de Deus, atira-te para baixo, porque está escrito:
Ele dará ordem a seus anjos a teu respeito,
e eles te tomarão pelas mãos,
para que não tropeces em nenhuma pedra."
Respondeu-lhe Jesus: "Também está escrito:
Não tentarás ao Senhor teu Deus."
Tornou o diabo a levá-lo, agora para um monte muito alto. E mostrou-lhe todos os reinos do mundo com o seu esplendor e disse-lhe: "Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares". Aí Jesus lhe disse: "Vai-te, Satanás, porque está escrito:
Ao Senhor teu Deus adorarás
e só a ele prestarás culto."
Com isso, o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram-se a servi-lo.
(textos de Marcos e Mateus colhidos em A Bíblia de Jerusalém, edições Paulinas)