quinta-feira, 8 de julho de 2010

Athenâ

Colagem . Diâmetro: 300mm.

Inspirada no texto de
Junito de Souza Brandão, do livro Mitologia Grega, Vol. II; pags. 31 a 33, da editora Vozes.
A seguir:
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O perfil de Atená, como o de Zeus e o de Apolo, evoluiu consideravelmente no mito, de maneira constante e progressiva, no sen­tido de uma espiritualização.
Dois de seus atributos configuram os termos dessa evolução, a serpente e a ave (a coruja). Antiga Grande Mãe minóica, proveniente de cultos ctônios, domínios da serpente, elevou-se, com o sincretismo creto-micênico, a uma posição dominante nos cultos urânios e olím­picos, domínios da ave, como deusa da fecundidade e da sabedoria; virgem, protetora das crianças; guerreira, inspiradora das artes e da paz.
Seu nascimento foi como um jorro de luz sobre o cosmo, aurora de um mundo novo, atmosfera luminosa, semelhante à hierofania de uma divindade emergindo de uma montanha sagrada. Sua aparição marca um transtorno na história do mundo e da humanidade. Uma chuva de neve de ouro caiu sobre Atenas, quando de seu nascimento: neve e ouro, pureza e riqueza, tombando do céu com a dupla fun­ção de fecundar, como a chuva, e de iluminar, como o sol. E é, por isso mesmo, que em certas festas de Atená se ofereciam bolos em forma de serpente e de falo, símbolos da fertilidade e da fecun­didade.
Para relembrar o nascimento de Erictônio, o instituidor das Panatenéias, e que Atená escondera num cofre em companhia e sob a proteção de uma serpente, se oferecia aos recém-nascidos atenien­ses um amuleto representando uma pequena serpente, símbolo da sabedoria intuitiva e da vigilância protetora. Como "Palas Atená", ela é defensora, no sentido físico e espiritual, das alturas, das Acró­poles, em que se estabelece. A cabeça de Medusa colocada no centro de seu escudo é como um espelho da verdade, para combater seus adversários, petrificando-os de horror, ao contemplarem sua própria imagem. Foi graças a tal escudo que Perseu levou de vencida a terrível Górgona, mostrando assim que Atená é a deusa vitoriosa pela sabedoria, pelo engenho e pela verdade. Sua lança é uma arma de luz: separa, corta e fere, como o relâmpago rasga as nuvens. A proteção concedida a heróis como Aquiles, Héracles, Perseu e Ulisses simboliza a injeção do espírito na força bruta, com a consequente transformação da personalidade do herói.
Deusa da fecundidade, deusa da vitória e deusa da sabedoria, Atená simboliza mais que tudo a criação psíquica, a síntese por re­flexão, a inteligência socializada.
A coruja, em grego (gláuks), etimologicamente, "brilhan­te, cintilante", porque enxerga nas trevas; em latim noctua, "ave da noite", era, como se viu, consagrada a Atená. Ave noturna, relacio­nada, pois, com a lua, a coruja não suporta a luz do sol, opondo-se, desse modo, à águia, que a recebe de olhos abertos. Deduz-se, daí, que o mocho, em relação a Atená, é o símbolo do conhecimento racional com a percepção da luz lunar por reflexo, opondo-se, des­tarte, ao conhecimento intuitivo com a percepção direta da luz solar. Explica-se talvez, assim, o fato de ser a coruja um atributo tradicio­nal dos mânteis, dos adivinhos, simbolizando-lhes o dom da clarivi­dência, mas através de sinais que os mesmos interpretam. Noctua, ave das trevas, ctônia portanto, a coruja é uma excelente conhecedora dos segredos da noite. Enquanto os homens dormem, ela fica de olhos abertos, bebendo os raios da lua, sua inspiradora. Vigiando os cemitérios ou atenta aos cochichos da noite, essa núncia das trevas sabe tudo o que se passa, tendo-se tornado em muitas culturas uma poderosa auxiliar da mantéia, da mântica, da arte de adivinhar. Daí a tradição segundo a qual quem come carne de coruja participa de seus poderes divinatórios, de seus dons de previsão e presciência. Eis aí por que, no Antigo Testamento, Javé, certamente com o fito de banir a superstição, proibia comer carne de mocho: e (não comais) todo o género de corvos, e o avestruz, e a coruja. . . (Dt 14,14-15).
No mito grego a coruja é representada por Ascáfalo, que, tendo denunciado a Perséfone, foi transformado em mocho.4
Para os Astecas, a coruja configura o deus dos infernos, repre­sentada como a guardiã da morada obscura das entranhas da terra. Associada às potências ctônias, é um avatar da chuva, das tempes­tades e da noite.
No rico material funerário descoberto no Peru, nas tumbas da civilização pré-incaica Chimu, se encontra, com frequência, a repre­sentação de um cutelo de sacrifício, em forma de meia-lua, encimado por uma divindade semi-humana e semipássaro, indubitavelmente uma coruja. Este ícone, ligado à idéia de sacrifício e de morte, está adornado com colares de pérolas e de conchas marinhas, o peito co­lorido de vermelho e cercado, não raro, por dois cães, cuja signifi­cação psicopompa é bem conhecida. Até hoje, aliás, o mocho é uma divindade da morte e guardião de cemitérios em numerosas culturas índio-americanas.
Mas, já que os mortos governam as sementes, que alimentam os vivos, a coruja é um símbolo digno de uma deusa também da vegetação.

4. Ascáfalo era filho de uma ninfa do rio Estige e de Aqueronte. Estava presente no Jardim do Hades, quando, coagida por Plutão, Perséfone comeu um grão de romã, cortando-lhe toda e qualquer esperança de retorno ao mundo da luz. Como Ascáfalo presenciara a quebra de jejum por parte de Perséfone, denunciou-a. Em sua cólera, Deméter o transformou em coruja. Ver o mito de Deméter e Perséfone, Vol. I, p. 283-310.
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