sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Três Poemas de Amor e um Fado

O burro de coração partido

(e pra quem demora mais a entender: tem ironia)



BILHETE EM PAPEL ROSA

Ao meu amado secreto, Castro Alves.

Quantas loucuras fiz por teu amor, Antônio.
Vê estas olheiras dramáticas,
este poema roubado:
"o cinamomo floresce
em frente do teu postigo.
Cada flor murcha que desce,
morro de sonhar contigo."
Ó bardo, eu estou tão fraca
e teu cabelo é tão negro,
eu vivo tão perturbada,
pensando com tanta força
meu pensamento de amor,
que já nem sinto mais fome,
o sono fugiu de mim. Me dão mingaus,
caldos quentes, me dão prudentes conselhos,
eu quero é a ponta sedosa do teu bigode atrevido,
a tua boca de brasa, Antônio, as nossas vidas ligadas.
Antônio lindo, meu bem,
ó meu amor adorado,
Antônio, Antônio.
Para sempre tua.

                        Adélia Prado
                        Bagagem



TERESA

A primeira vez que vi Teresa
Achei que ela tinha pernas estúpidas
Achei também que a cara parecia uma perna

Quanto vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando
                               [que o resto do corpo nascesse)

Da terceira vez não vi mais nada
Os céus se misturaram com a terra
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.

                        Manuel Bandeira
                        Estrela da Vida Inteira



PRANTO PARA COMOVER JONATHAN

Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

                        Adélia Prado
                        O Pelicano



O FADO






A letra do fado

MORADA ABERTA
(Carlos Tê/ Rui Veloso)

Diz-me o rio que conheço
Como não conheço a mim
Quanta mágoa vai correr
Até o desamor ter fim

Tu nem me ouves lanceiro
Por entre vales e montes
Matando a sede ao salgueiro
Lavando a alma das fontes

Vi o meu amor partir
Num comboio de vaidades
Foi à procura de mundo
No carrossel das cidades
Onde o viver é folgado
E dizem, não há solidão
Mas eu no meu descampado
Não tenho essa ilusão

Se eu fosse nuvem branca
E não um farrapo de gente
Vertia-me aguaceiro
Dentro da tua corrente
E assim corria sem dor
Sem de mim querer saber
E como tu nesse rumor
Amava sem me prender

Vai rio, que se faz tarde
Para chegares a parte incerta
Espalha por esses montes
Que tenho morada aberta.


este desenho já foi postado anteriormente aqui

4 comentários:

  1. Nossa, é para chorar!
    Muito triste mesmo ...
    quero "analisar" depois com calma, e faço
    um comentário melhor.

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  2. Edmundo, não foi a tristeza a intenção para a seleção desses poemas e fado, a primeira motivação foi mesmo a ironia, que pra mim se manifesta no exagero e na intensidade de sentimentos expressos nesses textos e mais algumas poucas indicações de minha própria disposição acrescentadas aí. Além desse aspécto, que posso admitir é mais de auto ironia, há também , e muito importante, as qualidades estéticas dos poemas, a beleza que cada um manifesta, o poder de tomar um conteúdo às vezes banal, outras vezes doloroso e transformar em beleza.
    O primeiro poema, bilhete em papel rosa, tem uma qualidade muito curiosa, pois parte de uma realidade de um homem morto há tempo, o poeta Castro Alves, portanto de quem so restam palavras e no máximo imagens e nenhum corpo , e vai a uma manifestação de amor absolutamente erótico em que o que conta são as sensações e os efeitos sobre um corpo vivo, que então se torna em corpo que padece dor, que perde a fome e o sono, a quem dão caldos e mingaus. Corpo que deseja com ardor uma boca de brasa ou a ponta sedosa de um bigode. Me parece um belo exemplo de integração entre o que poderia ser apenas espírito e que se torna corpo desejante. E isto me parece que passa obrigatoriamente pela ironia.
    O segundo, o do Bandeira, Tereza, que parte de um acontecimento banal, o encontro de uma moça nem bonita, e que pela via do amor despertado atinge um grau de epifania de tal forma que podemos encontrar ai, no último verso, em que o espirito de deus se move sobre a face das águas, ecos bem intensos de mitos muito mais antigos e fundadores do que os que nos chegaram pelo cristianismo, lembramos assim dos testículos de Urano que cortados caem sobre o mar e desse encontro surge uma espumarada da qual nasce a própria Afrodite, a deusa do amor e da beleza.
    Em Pranto para comover Jonathan, as imagens grandiosas e violentas de rochedos e ondas que se chocam desembocam no verso final que diz que ama e nem sabe mais o que ama. Nisto parece-me que o poeta esclarece que não importa mesmo o objeto do amor, que o que conta é só o amor. O amor é bom e grande por que se ama.
    E no fado a imagem daquele que se verte em torrente e deságua no rio e passa a fazer parte de sua circulação, e ama sem se prender. Esta imagem, pra mim, é bonita que dói.

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  3. ah ... Ok Ok
    não tenho mais nada a "analisar"
    então. rs.

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  4. nem quero dizer mais nada tambem pois, não há espaço...rs Mas é certo que o amor/paixão é um monólogo, sendo assim, toda dor e sofrimento e mesmo o discurso a respeito nos coloca na posição do palhaço triste... aquele que tira risadas dos outros mas que está só. Não fazemos parte do mundo concreto quando estamos nesse estado, somos como errantes,mendigos, loucos...

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